Ciúme, incerteza e a genialidade da literatura brasileira
Entre os clássicos da literatura brasileira, poucos são tão debatidos, analisados e reinterpretados quanto Dom Casmurro de Machado de Assis. Publicado em 1899, o romance ocupa posição de destaque tanto no cânone literário nacional quanto na tradição literária mundial.
Com sua escrita irônica, intimista e repleta de sutilezas, Machado de Assis criou uma narrativa que envolve o leitor em um jogo de memórias e incertezas. A obra gira em torno de um dos dilemas mais famosos da literatura: Capitu traiu ou não Bentinho?
Mais do que a história de ciúmes entre dois personagens, Dom Casmurro é uma reflexão profunda sobre memória, subjetividade e a dificuldade de distinguir verdade de interpretação.
Neste artigo, vamos explorar:
- O contexto histórico da obra;
- O enredo e os principais personagens;
- Os temas centrais desenvolvidos por Machado de Assis;
- O estilo narrativo único do autor;
- A importância de Dom Casmurro na literatura brasileira e mundial.
Contexto histórico da obra
Machado de Assis publicou Dom Casmurro no final do século XIX, período de grandes mudanças no Brasil:
- A abolição da escravatura (1888);
- A Proclamação da República (1889);
- A transição de uma sociedade rural e escravista para uma mais urbana e burguesa.
Esse contexto influenciou o olhar crítico e irônico do autor sobre a elite carioca, que serviu como pano de fundo para suas narrativas. Diferente do romantismo idealizado que dominava o século XIX, Machado trouxe uma abordagem realista e psicológica, explorando as contradições da mente humana.
Resumo do enredo
O narrador: Dom Casmurro
O romance é narrado em primeira pessoa por Bento Santiago, mais conhecido como Dom Casmurro, já idoso, solitário e desconfiado. Ele decide escrever suas memórias para “atar as duas pontas da vida”, reconstituindo sua história desde a juventude.
A infância e o amor por Capitu
Bentinho cresce sob a promessa de sua mãe, Dona Glória, de que ele deveria seguir a carreira religiosa. Entretanto, ele se apaixona por Capitu, sua vizinha, uma jovem de personalidade forte e olhar descrito como “olhos de ressaca”.
O seminário e a amizade com Escobar
Apesar do desejo de se tornar padre, Bentinho acaba se desviando desse caminho e mantendo contato próximo com Escobar, colega do seminário e posteriormente seu melhor amigo.
O casamento e o ciúme
Bentinho consegue casar-se com Capitu, mas aos poucos começa a desconfiar da relação entre ela e Escobar. O nascimento de seu filho, Ezequiel, intensifica suas dúvidas, já que o menino se parece muito com Escobar.
O desfecho
A suspeita de traição leva Bentinho a se afastar de Capitu, condenando-a ao exílio. Anos depois, ele escreve suas memórias repletas de ressentimento e dúvida, sem jamais oferecer ao leitor uma prova concreta de sua acusação.
Principais personagens
- Bento Santiago (Dom Casmurro): narrador da obra, ciumento e introspectivo, sua versão da história é marcada pela incerteza e subjetividade.
- Capitu: a enigmática esposa de Bentinho, descrita como inteligente, dissimulada e de personalidade marcante. Sua suposta traição nunca é confirmada.
- Escobar: amigo próximo de Bentinho, cuja relação com Capitu desperta as maiores suspeitas.
- Dona Glória: mãe de Bentinho, que representa os valores tradicionais e religiosos da época.
- Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu, cuja semelhança física com Escobar alimenta a dúvida sobre sua paternidade.
Temas centrais de Dom Casmurro
O ciúme
Portanto O ciúme de Bentinho é o motor da narrativa. Porém Mais do que um simples sentimento, ele se transforma em obsessão, corrompendo sua relação com Capitu e distorcendo sua visão da realidade.
A incerteza
Machado de Assis constrói uma narrativa ambígua, em que nunca se sabe ao certo se Capitu realmente traiu Bentinho. Essa incerteza mantém o leitor em constante dúvida, transformando a obra em um enigma literário.
A memória e a subjetividade
Portanto Como toda a história é narrada pelas lembranças de Bentinho, o romance levanta questões sobre a confiabilidade da memória. Porém O leitor se vê diante de uma verdade fragmentada e interpretativa.
O papel da mulher
Além disso, Capitu é uma das personagens femininas mais complexas da literatura brasileira. Portanto Inteligente e independente, desafia os papéis de gênero da época, tornando-se alvo das suspeitas de um marido inseguro.
Ironia e crítica social
Embora Com ironia refinada, Machado de Assis critica os valores da elite carioca, revelando hipocrisia, conservadorismo e conflitos familiares típicos da sociedade de seu tempo.
O estilo narrativo de Machado de Assis
O grande diferencial de Dom Casmurro é o estilo narrativo de Machado:
- Narrador não confiável: tudo que sabemos é contado por Bentinho, o que coloca o leitor em posição crítica.
- Metalinguagem: o narrador frequentemente conversa com o leitor, quebra a quarta parede e reflete sobre o ato de escrever.
- Ironia: presente em quase todos os capítulos, a ironia é usada para expor contradições e ambiguidades.
- Fragmentação: capítulos curtos e reflexivos tornam a leitura dinâmica e cheia de reviravoltas.
Esse estilo inovador foi uma das razões pelas quais Machado de Assis é considerado um dos maiores escritores da literatura mundial.
A importância de Dom Casmurro
Portanto O romance é uma obra-prima que consolidou Machado de Assis como um autor de projeção internacional. Embora Sua relevância está em:
- Ser um dos primeiros romances psicológicos da literatura ocidental;
- Apresentar personagens complexos e ambíguos;
- Questionar verdades absolutas, abrindo espaço para múltiplas interpretações;
- Influenciar gerações de escritores brasileiros e estrangeiros;
- Ser objeto de estudos literários, adaptações teatrais, filmes e séries até hoje.
Capitu traiu ou não?
Ou seja Essa é a pergunta que atravessa séculos de debates. Portanto Não há provas conclusivas na narrativa, apenas a versão ressentida de Bentinho. Alguns críticos defendem que a traição nunca ocorreu, sendo fruto do ciúme doentio do narrador. Outros acreditam que Machado deixou pistas sutis para alimentar a dúvida.
O fato é que Machado de Assis construiu genialmente um romance cuja força está justamente nessa incerteza: cada leitor constrói sua própria verdade.

Em Resumo
Dom Casmurro de Machado de Assis é muito mais do que um romance sobre ciúmes e traição. É uma reflexão profunda sobre a natureza humana, sobre a fragilidade da memória e sobre como o olhar subjetivo molda nossa percepção da realidade.
A dúvida sobre Capitu continuará eterna — e é exatamente isso que torna a obra inesgotável. Ao mesmo tempo em que nos cativa pela trama íntima, o livro nos desafia a refletir sobre nossas próprias certezas e inseguranças.
Por sua complexidade, estilo inovador e crítica social, Dom Casmurro permanece como um dos maiores monumentos da literatura brasileira, confirmando Machado de Assis como um gênio universal.